A Maru99 é uma feira de arte impressa e publicações independentes realizada anualmente no Colégio Marupiara, colégio particular localizado no bairro Jardim Têxtil, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Maru é o apelido carinhoso da escola, e o número 99 é referência ao ano de fundação do colégio, 1999. Temos em média 60 expositores a cada edição, e a ideia da feira surgiu de uma pergunta frequente feita pelos alunos da escola: “Como faz para ser escritor?”.
Tradicionalmente, a escola leva escritores para conversar com os alunos e essa questão sempre surgia. Foi então que a Julia Higashi, professora de Química, fez uma ligação importante com o movimento das feiras de publicações independentes que acontecem em sua maioria no centro e na Zona Oeste da cidade. Para responder a pergunta, “Como faz para ser um escritor?”, nada melhor do que juntar vários escritores e artistas que se auto publicam!
Assim começou o meu desafio de organizar a feira para um público que não conhecia o que era arte impressa e publicação independente. Não demorou para eu perceber que aconteceria uma mistura: eu não poderia simplesmente levar uma feira do centro para a Zona Leste, queria trazer artistas e produções da própria região, que eu desconhecia, e ao mesmo tempo apresentar a produção da cena efervescente das feiras de publicações independentes do centro e da Zona Oeste.
Assim surgiu a ideia de abrir a convocatória geral, mas também de ter editoras e artistas convidados que trouxessem experiências diversas da cena independente de várias regiões da cidade de São Paulo.
Na primeira edição da Maru99 (2016), nosso contato cultural com a Zona Leste foi com o Sarau do Vale, um sarau do extremo leste, que acontece há três anos no Recanto Verde do Sol, um bairro um pouco para lá de São Mateus e que levou para a feira música, palavras de protesto e poesia, representando a periferia e uma realidade diferente da vivida pelos alunos da escola. Foi também neste clima de mistura que uma roda de conversa aconteceu com os convidados: João Varella, da Lote42, Danylo Paulo, do Sarau do Vale, Julia Vaz, do coletivo Besoura, e Bruno Contardi, artista independente, com mediação do educador Sylvio Ayala. O tema foi “Publicar pra quê?”, e descobrimos que, independente de qualquer diferença, a vontade de se expressar é igual para todo mundo. São exatamente esses pontos, da vontade e do desejo, que vem pautando as outras edições da feira, afinal, um trabalho que se faz independente não se faz por outro motivo que não o da vontade.
Na segunda edição (2017), tivemos dois projetos de publicação feitos por alunos do colégio Marupiara por ocasião da feira: uma coleção de três zines de poesia da Bia Fortes e outra coleção com oito zines sobre Impostos, desenvolvidos na sala de aula pelo professor de matemática, Marcos Gonçalves, com os alunos do terceiro ano, além de uma ação de poesia idealizada pelo aluno João Pedro (8º ano) que oferecia a prática da poesia para os visitantes da feira. Tivemos também a participação de outros alunos, professores e pais como expositores, apresentando os seus trabalhos de fotografias, zines, livros e outras publicações pela primeira vez – vestindo-se de coragem e compartilhando suas dúvidas e felicidades através dos trabalhos expostos. Desta vez, com o objetivo de incentivar a prática, tivemos três oficinas abertas: serigrafia com a Coticoá, carimbo com a Graficafabrica e encadernação com a artista visual Luciana Miyuki, além de uma visita guiada pela feira, apresentando algumas publicações pré-selecionadas.
Na feira Maru99, quando vamos em busca de expositores convidados e também na seleção dos expositores que se inscrevem pela convocatória, assumimos um tipo de “curadoria”, e, assim, assumimos também a definição de um perfil para a feira, que é o nosso desejo de que algo significativo aconteça. A tentativa de mover esse desejo envolve dar conta de alguns aspectos como o local (a escola), a região (a Zona Leste de SP) e o nosso tempo.
Com a experiência das duas edições, já percebemos que o encontro da diferença é algo em que gostamos de apostar, porque sempre transforma e enriquece, seja quando você se depara com o que parece absurdo ou quando você se identifica com algo que parecia que só você pensava. A feira realiza esse encontro em uma vontade comum que é a de se expressar. Nesta vontade, que é uma necessidade, todo mundo é igual.
Quando esta expressão é verdadeira, ganhamos outro aspecto importante que é o autoconhecimento. A experiência de apresentar trabalhos feitos de forma independente considera uma exposição pessoal muito autêntica e essa oportunidade faz você se conhecer melhor, se responsabilizar pelas ideias expostas e, consequentemente, ganhar autoconfiança em um ambiente de coletividade e compartilhamento de vontades comuns, onde a competição perde espaço para a troca. Por isso, um dos nossos interesses principais são os expositores iniciantes.
Portanto, quando planejamos, convidamos e selecionamos, estamos apontando para estes aspectos que gostamos de ver acontecer: a mistura de um pouco de tudo, onde expositores iniciantes estão ao lado de expositores mais experientes, onde existe técnicas e realidades diversas, estilos, ideias e posicionamentos também diversos, além de priorizar trabalhos autênticos que estejam em sintonia com a história do artista/expositor. Dentro disso tudo, e no final das contas, o nosso papel é apenas o de preparar o ambiente para que algo aconteça, porque o “acontecimento” da feira depende justamente das pessoas que interagem no horário marcado: expositores, visitantes, funcionários da escola, participantes e organizadores.
Pessoalmente, aprendo muito com todos – professores, expositores, alunos, diretores, artistas -e tenho a satisfação de realizar algo em que acredito: a criação do novo através do encontro de singularidades, em que o não convencional ganha valor.
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Texto elaborado especialmente para a coleção “A fala da mulher”, projeto organizado pelo Atelier Feito em Casa.
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