Terceira edição da Printa-Feira

Terceira edição da Printa-Feira

A feira de publicação independente da xilogravura

A terceira edição da Printa-Feira aconteceu nos dias 23 e 24 de março de 2019, no Sesc 24 de Maio. Esta feira faz parte do FestA – Festival de Aprender, um evento do Sesc-SP que tem a participação de 39 unidades do estado. Cada unidade aborda um tema específico para o evento, e o Sesc 24 de Maio trouxe o tema MADEIRA. Dentro dessa premissa, a Lote42 e a unidade do Sesc 24 de Maio, organizadores da feira, selecionaram artistas que trabalham com xilogravura, técnicas artesanais e a materialidade do papel, num total de 80 expositores.

Fala das 15h com Zansky, Anne Courtois, Oitoart e Gomes e Maia.

Um detalhe muito potente, que define as feiras de publicação, é a localização. O local, além das características estruturais e funcionais, também define o tipo de público novo que podemos atingir. O Sesc 24 de Maio, fica na República, coração do centrão de São Paulo, e o público dessa região é mesmo bastante diverso. Bem, diversidade talvez seja a melhor definição do trabalho independente, já que esse trabalho é feito a partir de uma expressão muito pessoal de cada um dos autores. Essa conexão de diversidades, entre visitantes e publicações, é assunto para muitos textos, por enquanto, registro a importância da frequência da Printa-Feira, no Sesc 24 de Maio, exatamente por estar disponível a um público que não tem o costume de entrar em contato com trabalhos de arte, tão diversos.

Nesta edição, minhas impressões partem da posição de visitante da feira, e de imediato fiquei impressionada com a quantidade de xilogravuras expostas. Logo me lembrei de todas as conversas, de alguns anos atrás, que tive com o pessoal que se dedica a gravura, a partir do Ateliê Aberto de Gravura, da Oficina Oswald de Andrade, sobre a necessidade de existir uma feira para expor e vender a produção de tanta gente que se aventura nessa técnica tão recheada de desafios.

Fiquei feliz em ver todo esse pessoal reunido, desde os mais reconhecidos e experientes como o Francisco Maringelli, que desde 1979 se dedica a gravura, passando pelo pessoal do Clube de Gravadores, os jovens super talentosos do Xilo Ceasa, a xilogravura “política-poética” do Alexandre Teles, e artistas que se lançaram pela primeira vez na exposição de seus trabalhos, como a Léia Izumi e Tânia Soares, do Gravural.

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Francisco Maringelli

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Clube de Gravadores

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Xilo Ceasa

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Alexandre Teles

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Gravural

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Haviam muitos trabalhos novos, de jovens artistas que trabalham com a xilogravura de forma bastante autoral como o Diego Oscar Garcia (Dink), de Campinas (SP), que usa madeira e MDF fazendo uma importante distinção entre estes dois materiais, o Lucas Bezerra com trabalhos que lembram as ilustrações de cordéis, o pessoal da Revista Comando com xilogravuras em grandes formatos e diversos estilos, e o Gomes e Maia que trabalha com duas ou mais cores na impressão.

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Diego Oscar

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Lucas Bezerra

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Revista Comando

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Gomes e Maia expondo sua gravura em duas cores.

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Matriz com impressão lado a lado, também do Gomes e Maia.

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Me chamou a atenção a disposição de alguns publicadores que nunca trabalharam com xilogravura, se aventurando com a madeira, seguindo o tema proposto na feira. O Luiz Basile, que tem um trabalho incrível com desenho de modelo vivo e um traço muito solto, resolveu desenhar na madeira e descobriu outro estilo de desenho ao imprimir a matriz (certamente observando que a madeira também desenha!). A Lina Ibáñez, da editora laboratório Fotolab Linaibah, tirou da gaveta um projeto antigo, o “De donde vengo yo”, e em parceria com a marca de design de moda Asnautas, usou a madeira para estampar figuras inspiradas em formas pré-colombianas de peças arqueológicas, criando uma almofada que vira bolsa! Até o stencil super original da Motta Press foi parar na madeira! Também foi bastante interessante conhecer a litogravura da Katia Fiera!

Os desenhos de modelo vivo do Luiz Basile feitos em xilogravura.

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A bolsa-almofada da Lina Ibáñez.

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E o processo de impressão usando o stencil.

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O stencil aplicado na madeira da Motta Press.

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E a litogravura da Katia Fiera.

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Adorei conhecer o pessoal de Caraguatatuba (SP), com os papéis artesanais da Rita Engi, impressos com as xilogravuras de Rafael Pereira e Catarina Dantas, da Mangarataia. Sempre admiro a disposição de quem percorre alguma distância maior para participar das feiras.

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Rita Engi e Rafael Pereira, da Mangarataia.

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E a xilogravura aplicada em papel artesanal.

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Uma observação deliciosa é que a técnica de xilogravura também é muito utilizada para imprimir em tecido, e aí temos os carimbos da Cleiri Cardoso, da Edições Extemporâneas, que transformam panos de prato em cartazes, os tecidos coloridos do Jamac, as pequenas bolsas POC e GAY das meninas lindas e abusadas que infelizmente não peguei o nome (quem souber me conta!) e as camisetas poéticas da Arte da Sika. Sem esquecer do Giba Gomes que confessou na roda de conversa que ver pessoas vestindo o seu trabalho impresso em suas roupas é melhor do que qualquer exposição! O Giba se dedica a gravura a mais de 40 anos e, na sua apresentação, contou que a feira tem sido uma grande descoberta (na verdade ele usou “uma puta descoberta”, tamanho o entusiasmo) e que tem se encantado com a possibilidade de ter um “produto de varejo”.

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Os panos de prato da Cleiri Cardoso.

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As sacolas POC e GAY.

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Camisetas da Arte da Sika.

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Matrizes e tecidos do Giba Gomes.

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As estampas do Jamac.

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Expandindo o tema para o conceito de matriz, cheguei na Tipografia do Zé, com os livros que exploram a tipografia de uma forma muito delicada. E também nos carimbos da GráficaFábrica, além do livro gigante e colorido do Gilberto Tomé, que traz um olhar sobre a ancestralidade da cidade através da linguagem dos cartazes lambe-lambes. Passei também pela serigrafia e encontrei dois extremos: a simplicidade da Coticoá que tira qualquer tabu da técnica e coloca todo mundo pra serigrafar e o super talento do Zansky, que é o artista dessa cena que mais entende de cores e suas misturas! Ampliando ainda mais o conceito de matriz, cheguei na Kamikaze Publicações com uma reflexão deliciosa sobre o surgimento da imagem no papel fotográfico através da pequena entrada de luz na câmera pinhole!

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Livros da Tipografia do Zé.

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Livro gigante da GráficaFábrica.

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E a mesa colorida da Coticoá.

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Serigrafias do Zansky.

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E a câmera pinhole da Kamizake Publicações.

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Dentre as descobertas de publicações, me encantei com o livro “COMBOIO -Histórias de caminhão para ler e colorir”, do Binho Barreto, de Belo Horizonte (MG), que na sua apresentação contou que seu trabalho é mesmo o “olhar para o cotidiano”, e a partir daí ele usa diversas linguagens, como o cartoon, o grafite, as ilustrações e a crônica, para dar conta de expressar suas descobertas. Outra publicação muito interessante foi um livro que faz uma curiosa reflexão sobre o lápis, do Estúdio Editorial Joões, de Campinas (SP).

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Livro COMBOIO, do Binho Barreto.

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Livro sobre o lápis do Estúdio Joões.

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A Printa-Feira também trouxe 30 artistas para falar de suas trajetórias e processos criativos, no domingo, das 11h às 17h, a cada hora, o público podia sentar e ouvir um pouco da experiência de cada um. Além disso, o espaço contava com uma mesa e uma prensa que possibilitou a prática de impressões ao vivo para o público conhecer de perto a técnica da impressão da xilogravura, atividade de grande importância, lembrando da diversidade de público da região, que mencionei no início do texto. Na mesa do coletivo Ganga tinha até uma publicação com diversas receitas de gravura!

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Fala das 12h com Daniela Martini, da Coticoá, Francisco Maringelli, Binho Barreto e Giba Gomes.

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Mesa da Ganga com as receitas de gravura.

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Os trabalhos e artistas reunidos nesse texto é apenas um recorte da minha passagem pelas mesas da feira. Além dos artistas que citei, entre 80 expositores, tinham muitos outros trabalhos incríveis que não registrei por limite de tempo e disponibilidade.

Fica o meu convite para acessar os links do texto para conhecer melhor cada artista e a sugestão para visitar às próximas feiras de publicações independentes, para conhecer trabalhos originais e conversar com os próprios artistas sobre seus processos de criação.

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Este texto faz parte de uma série que pretendo escrever a cada feira de publicações independentes que visitar ou participar, neste ano de 2019 (a Printa-Feira foi a primeira), com o objetivo de registrar minhas impressões nas conversas que sempre surgem entre amigos e artistas, sobre as feiras realizadas ao longo do ano na cena de publicações independentes.

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Sobre a Maru99

Sobre a Maru99

Maru99 é uma feira de arte impressa e publicações independentes realizada anualmente no Colégio Marupiara, colégio particular localizado no bairro Jardim Têxtil, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Maru é o apelido carinhoso da escola, e o número 99 é referência ao ano de fundação do colégio, 1999. Temos em média 60 expositores a cada edição, e a ideia da feira surgiu de uma pergunta frequente feita pelos alunos da escola: “Como faz para ser escritor?”.

Tradicionalmente, a escola leva escritores para conversar com os alunos e essa questão sempre surgia. Foi então que a Julia Higashi, professora de Química, fez uma ligação importante com o movimento das feiras de publicações independentes que acontecem em sua maioria no centro e na Zona Oeste da cidade. Para responder a pergunta, “Como faz para ser um escritor?”, nada melhor do que juntar vários escritores e artistas que se auto publicam!

Assim começou o meu desafio de organizar a feira para um público que não conhecia o que era arte impressa e publicação independente. Não demorou para eu perceber que aconteceria uma mistura: eu não poderia simplesmente levar uma feira do centro para a Zona Leste, queria trazer artistas e produções da própria região, que eu desconhecia, e ao mesmo tempo apresentar a produção da cena efervescente das feiras de publicações independentes do centro e da Zona Oeste.

Assim surgiu a ideia de abrir a convocatória geral, mas também de ter editoras e artistas convidados que trouxessem experiências diversas da cena independente de várias regiões da cidade de São Paulo.

Na primeira edição da Maru99 (2016), nosso contato cultural com a Zona Leste foi com o Sarau do Vale, um sarau do extremo leste, que acontece há três anos no Recanto Verde do Sol, um bairro um pouco para lá de São Mateus e que levou para a feira música, palavras de protesto e poesia, representando a periferia e uma realidade diferente da vivida pelos alunos da escola. Foi também neste clima de mistura que uma roda de conversa aconteceu com os convidados: João Varella, da Lote42, Danylo Paulo, do Sarau do Vale, Julia Vaz, do coletivo Besoura, e Bruno Contardi, artista independente, com mediação do educador Sylvio Ayala. O tema foi “Publicar pra quê?”, e descobrimos que, independente de qualquer diferença, a vontade de se expressar é igual para todo mundo. São exatamente esses pontos, da vontade e do desejo, que vem pautando as outras edições da feira, afinal, um trabalho que se faz independente não se faz por outro motivo que não o da vontade.

Na segunda edição (2017), tivemos dois projetos de publicação feitos por alunos do colégio Marupiara por ocasião da feira: uma coleção de três zines de poesia da Bia Fortes e outra coleção com oito zines sobre Impostos, desenvolvidos na sala de aula pelo professor de matemática, Marcos Gonçalves, com os alunos do terceiro ano, além de uma ação de poesia idealizada pelo aluno João Pedro (8º ano) que oferecia a prática da poesia para os visitantes da feira. Tivemos também a participação de outros alunos, professores e pais como expositores, apresentando os seus trabalhos de fotografias, zines, livros e outras publicações pela primeira vez – vestindo-se de coragem e compartilhando suas dúvidas e felicidades através dos trabalhos expostos. Desta vez, com o objetivo de incentivar a prática, tivemos três oficinas abertas: serigrafia com a Coticoá, carimbo com a Graficafabrica e encadernação com a artista visual Luciana Miyuki, além de uma visita guiada pela feira, apresentando algumas publicações pré-selecionadas.

Na feira Maru99, quando vamos em busca de expositores convidados e também na seleção dos expositores que se inscrevem pela convocatória, assumimos um tipo de “curadoria”, e, assim, assumimos também a definição de um perfil para a feira, que é o nosso desejo de que algo significativo aconteça. A tentativa de mover esse desejo envolve dar conta de alguns aspectos como o local (a escola), a região (a Zona Leste de SP) e o nosso tempo.

Com a experiência das duas edições, já percebemos que o encontro da diferença é algo em que gostamos de apostar, porque sempre transforma e enriquece, seja quando você se depara com o que parece absurdo ou quando você se identifica com algo que parecia que só você pensava. A feira realiza esse encontro em uma vontade comum que é a de se expressar. Nesta vontade, que é uma necessidade, todo mundo é igual.

Quando esta expressão é verdadeira, ganhamos outro aspecto importante que é o autoconhecimento. A experiência de apresentar trabalhos feitos de forma independente considera uma exposição pessoal muito autêntica e essa oportunidade faz você se conhecer melhor, se responsabilizar pelas ideias expostas e, consequentemente, ganhar autoconfiança em um ambiente de coletividade e compartilhamento de vontades comuns, onde a competição perde espaço para a troca. Por isso, um dos nossos interesses principais são os expositores iniciantes.

Portanto, quando planejamos, convidamos e selecionamos, estamos apontando para estes aspectos que gostamos de ver acontecer: a mistura de um pouco de tudo, onde expositores iniciantes estão ao lado de expositores mais experientes, onde existe técnicas e realidades diversas, estilos, ideias e posicionamentos também diversos, além de priorizar trabalhos autênticos que estejam em sintonia com a história do artista/expositor. Dentro disso tudo, e no final das contas, o nosso papel é apenas o de preparar o ambiente para que algo aconteça, porque o “acontecimento” da feira depende justamente das pessoas que interagem no horário marcado: expositores, visitantes, funcionários da escola, participantes e organizadores.

Pessoalmente, aprendo muito com todos – professores, expositores, alunos, diretores, artistas -e tenho a satisfação de realizar algo em que acredito: a criação do novo através do encontro de singularidades, em que o não convencional ganha valor.

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Texto elaborado especialmente para a coleção “A fala da mulher”, projeto organizado pelo Atelier Feito em Casa.

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